dos rabiscos

Maris Machado
Nov 4, 2021

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volta e meia retorno ao jardim.

em dia de feira, por vezes o cinza do alvorecer dá lugar à cores vívidas demais para quem se habituou ao escuro.

na mão, anel relicário é lembrança sã dos dedos rasgados, de cutículas sangrando em um mesmo vermelho escarlate.

o gosto férreo na boca como lembrete: beijos são instantes declamações de morte.

penso no jardim.
o misturar-se em cores, em dores; o limite não posto — mas presente.

imposição de fronteiras invisíveis e, não surpreendentemente, transponíveis em sua própria existência — exageradamente precavida.

silêncio perdido, abafado pela batida oca da porta do carro. rasgo meus pedaços e, partida, entrego parte do que sou — o que prevalece em nós.

sangro seca, cicatrizo.

rabiscos que não cabem no corpo acabam aqui, escritos.

confio no olhar caído e escuro. lembro do jardim; antes que o tempo acabe.

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Maris Machado

a historiadora e o animal extraviado que vive nela, convivendo e conversando sobre as respectivas incongruências cotidianas.